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A PSICODINÂMICA DO VÍCIO EM HEROÍNA: O CASO TRÁGICO DA
SUPERMODELO GIA CARANGI
THE PSYCHODYNAMICS OF HEROIN ADDICTION: THE TRAGIC CASE OF
SUPERMODEL GIA CARANGI
LA PSICODINÁMICA DE LA ADICCIÓN A LA HEROÍNA: EL TRÁGICO CASO DE
LA SUPERMODELO GIA CARANGI
Beatriz Silva1
PSIQUE • EISSN 21834806 • VOLUME XIX • ISSUE FASCÍCULO 1
1ST JANUARY JANEIRO  30TH JUNE JUNHO 2025 PP. 3448
DOI: https://doi.org/10.26619/2183-4806.XXI.1.3
Submited on 01/01/2025 Submetido a 01/01/2025
Accepted on 21/05/2025 Aceite a 21/05/2025
Resumo
Este artigo explora a psicodinâmica da dependência de heroína, analisando o caso de Gia
Carangi, uma modelo icónica dos anos 1980, cuja trajetória ilustra o impacto do abuso de subs-
tâncias no contexto das celebridades. O objetivo principal é investigar os fatores psicossociais e
culturais que contribuíram para o desenvolvimento e agravamento da sua dependência, desta-
cando o papel da pressão mediática, da alta costura e do fenómeno “heroin chic.
A abordagem metodológica é qualitativa, baseando-se na análise de fontes pririas, como
biografias, entrevistas e registos clínicos, complementada por uma revisão da literatura acadé-
mica sobre dependência qmica e cultura de celebridades. Este desenho permite uma com-
preensão aprofundada da complexidade dos fatores envolvidos, desde as preses externas à
vulnerabilidade individual.
O projeto é inovador ao combinar a análise psicossocial com o enquadramento cultural,
sublinhando a importância de intervenções psicossociais direcionadas para figuras públicas vul-
neráveis. Ao relacionar fama, saúde mental e abuso de substâncias, pretende-se contribuir para a
discussão sobre estragias de prevenção e apoio em contextos de elevada exposição mediática,
oferecendo insights relevantes para a psicologia forense e para a saúde mental, com vista a evitar
trajetórias semelhantes em futuras gerações.
Palavras-chave: heroína; dependência; Gia Carangi; psicodinâmica; psicologia forense
1 Universidade da Beira Interior, Portugal. b.silva@ubi.pt
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Beatriz Silva
Summary
This article explores the psychodynamics of heroin addiction, analyzing the case of Gia
Carangi, an iconic model from the 1980s, whose trajectory illustrates the impact of substance
abuse in the context of celebrities. The main objective is to investigate the psychosocial and
cultural factors that contributed to the development and worsening of her addiction, highlighting
the role of media pressure, high fashion and theheroin chic” phenomenon.
The methodological approach is qualitative, based on the analysis of primary sources such as
biographies, interviews and clinical records, complemented by a review of academic literature
on drug addiction and celebrity culture. This design allows for an in-depth understanding of the
complexity of the factors involved, from external pressures to individual vulnerability.
The project is innovative in combining psychosocial analysis with cultural framing,
underlining the importance of psychosocial interventions targeting vulnerable public figures.
By linking fame, mental health and substance abuse, it aims to contribute to the discussion on
prevention and support strategies in contexts of high media exposure, offering relevant insights
for forensic psychology and mental health, with a view to avoiding similar trajectories in future
generations.
Keywords: heroin; addiction; Gia Carangi; psychodynamics; forensic psychology
Resumen
Este artículo explora la psicodinámica de la adicción a la heroína, analizando el caso de
Gia Carangi, modelo icónica de los afíos ochenta cuya trayectoria ilustra el impacto del abuso
de sustancias en el contexto de la celebridad. El objetivo principal es investigar los factores
psicosociales y culturales que contribuyeron al desarrollo y agravamiento de su adicción,
destacando el papel de la presión mediática, la alta costura y el fenómeno «heroin chic».
El enfoque metodológico es cualitativo, basado en el análisis de fuentes primarias como
biografías, entrevistas e historias clínicas, complementado con una revisión de la literatura
académica sobre drogadicción y cultura de los famosos. Este disefío permite comprender en
profundidad la complejidad de los factores implicados, desde las presiones externas hasta la
vulnerabilidad individual.
El proyecto es innovador en el sentido de que combina el análisis psicosocial con un marco
cultural, haciendo hincapié en la importancia de las intervenciones psicosociales dirigidas a
personajes públicos vulnerables. Al vincular la fama, la salud mental y el abuso de sustancias,
pretende contribuir al debate sobre las estrategias de prevención y apoyo en contextos de gran
exposición mediática, ofreciendo perspectivas relevantes para la psicoloa forense y la salud
mental, con vistas a evitar trayectorias similares en las generaciones futuras.
Palabrasllave: heroína; adicción; Gia Carangi; psicodinámica, psicología forense
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A Psicodinâmica do Vício em Herna: O Caso Trágico da Supermodelo Gia Carangi
1. Introdução
1.1. Pressões, Vicio e Alta Costura
O mundo da alta costura é amplamente reconhecido pela sua estética exuberante e por pro-
mover ideais de beleza que, para muitos, parecem inatingíveis (Smith et al., 2023). Modelos e cele-
bridades nesse universo são frequentemente vistos como figuras de perfeição e sucesso, moven-
do-se em cenários de glamour e fascínio. No entanto, esse brilho esconde um lado sombrio: a
pressão extrema, a exaustão psicológica e o recurso frequente a substâncias como a heroína
(Giles & Rockwell, 2009), usada não só como uma forma de refúgio, mas também como um sím-
bolo de uma estética defragilidade” e rebeldia, conhecida como heroin chic (Smith et al., 2023).
Este trabalho tem como objetivo explorar esse lado menos visível e pouco discutido da alta cos-
tura, analisando o caso específico de Gia Carangi, uma supermodelo que se tornou um símbolo
dessa era, mas que sucumbiu aos efeitos devastadores do vício em heroína (Fried, 1993).
Com esta pesquisa, pretende-se não apenas compreender as raes pelas quais figuras públi-
cas, como supermodelos, são atraídas pelo uso de drogas, mas também os seus efeitos, contextos
e preses sociais que contribuem para esse fenómeno. Este tema é relevante para a Psicologia
Forense, abordando as implicações psicológicas e sociais que acompanham o abuso de substân-
cias em ambientes de visibilidade e poder.
2. Descrição do Caso
2.1. Gia Carangi: Biografia
Nascida em 1960, na Filadélfia, Gia Carangi tinha uma família marcada por conflitos e insta-
bilidade. Filha de Joseph e Kathleen Carangi, cresceu num ambiente de constante tensão fami-
liar, o que contribuiu para uma sensação de deslocamento e vulnerabilidade que a acom-
panharia no futuro. Mesmo com o contexto caótico, a sua beleza natural e carisma eram notáveis
desde cedo (Fried, 1993).
Aos 17 anos, foi descoberta por um fotógrafo local enquanto trabalhava na tasca de Joseph,
iniciando uma carreira inigualável no mundo da moda. Em pouco tempo, mudou-se para Nova
York e assinou com a ancia Wilhelmina Models, onde as características exóticas e a personali-
dade magtica rapidamente captaram a atenção de grandes fotógrafos e designers (Fried, 1993).
A sua presença única tornou-a numa das primeiras supermodelos da era moderna e uma das pri-
meiras modelos abertamente homossexuais no cenário da moda, desafiando pades de beleza e
preconceitos sociais da época (Fried, 1993).
Entretanto, o sucesso trouxe uma enorme pressão que começou a cobrar o seu preço. A cul-
tura de excessos que permeava a indústria da moda dos anos 70 e 80 e a constante exposição ao
uso de drogas rapidamente transformaram a vida de Gia. O recurso a substâncias na indústria
da moda da época era considerado comum, especialmente entre aqueles que procuravam manter
uma aparência esguia e lidar com a alta pressão da profissão (Fried, 1993). Inicialmente usadas
para enfrentar as necessidades da carreira, as drogas tornaram-se numa dependência que come-
çou a corroer a sua vida pessoal e profissional. Os problemas com pontualidade e comportamento
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errático nas sessões de fotos e desfiles começaram a afastá-la dos principais trabalhos, e a sua
aparência começou a refletir os impactos da luta com o vício (Fried, 1993).
Com o despencar da sua carreira e a intensificação do vício, enfrentou períodos de extrema
pobreza. Durante uma das fases mais sombrias de sua vida, chegou a re correr à prostituição
para sustentar o vício em heroína, as situações de vulnerabilidade e risco extremo resultaram em
ltiplas violações (Mares, 2020).
Apesar de várias tentativas de reabilitação, a modelo enfrentou uma batalha difícil e cons-
tante contra o vício, marcada por breves períodos de sobriedade seguidos de dolorosos retro-
cessos. Simultaneamente, a sua saúde mental também deteriorava, com a solidão e a pressão do
sucesso acentuando a sua vulnerabilidade emocional (Fried, 1993). Durante esse período, contraiu
o vírus da imunodeficiência humana (VIH), possivelmente devido ao compartilhamento de serin-
gas durante o uso de heroína
-
a principal forma de transmissão entre usuários de drogas injetá-
veis no Estados Unidos, especialmente em áreas urbanas durante os anos 80, onde a pandemia
estava em plena ascensão (Fee & Krieger, 1993; Zurlinden & Shilts, 1988). Na época, a síndrome
da imunodeficiência adquirida (SIDA) era alvo de estigma e medo, com poucas opções de trata-
mento e uma compreensão ainda limitada sobre a sua transmissão e prevenção (Brandt, 1988).
Nos últimos anos, a realidade angustiante da doença isolou-a ainda mais numa época em que
a doença carregava um estigma pesado e poucos recursos de tratamento estavam disponíveis
(Fried, 1993). A estigmatização do VIH/SIDA era agravada por estar associada a populações mar-
ginalizadas, incluindo usuários de drogas e a comunidade LGBTQIAPN+2, o que contribuiu para
a falta de empatia e compreensão pública na época (Fee & Krieger, 1993). Esse contexto dificultou
tanto o acesso a redes de apoio quanto o tratamento, agravando o sofrimento e isolamento de Gia
e de outros lesados (Room, 2995).
A 18 de novembro de 1986, aos 26 anos, Carangi faleceu devido a complicações relacionadas
à SIDA/VIH, tornando-se um símbolo poderoso das dificuldades que podem acompanhar a fama e
o glamour (Fried, 1993). A sua vida e carreira abriram espaço para discussões acerca dos desafios
emocionais e os perigos de abuso de substâncias e as questões de saúde mental na indústria
da moda. A modelo é lembrada não apenas pela beleza, mas pela franqueza com que enfrentou
a vida pública, sendo homenageada em testemunhos de conhecidos, livros, filmes e documen-
rios que exploram o legado e os desafios enfrentados pela primeira supermodelo a encarar as
pressões da fama de maneira tão pública, vulnerável e emocionalmente desgastante (Fried, 1993).
3.todos
3.1. Tipo de Estudo
Este artigo apresenta uma análise de caso que explora a trajetória de Gia Carangi, uma das
supermodelos mais icónicas da década de 1980, conhecida pelo estilo heroin chic, com o objetivo
2 Utiliza-se a sigla LGBTQIAPN+ por ser a versão vigente e inclusiva no momento da escrita deste artigo (2024). A sigla abrange
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgéneros, Queers, Intersexos, Assexuais, Pessoas Pan/Poli e Não-binárias, entre outras identi-
dades.
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de examinar os fatores psicossociais e culturais que influenciaram o desenvolvimento de depen-
dência em heroína e compreender os impactos desse ambiente sobre a saúde mental de figuras
públicas. A escolha do estudo de caso possibilita uma análise aprofundada de temas complexos
num contexto específico, como o da alta costura, onde as pressões psicológicas e a glamourização
do uso de drogas são comuns e amplamente estudados.
3.2. Fontes de Dados
A recolha de dados foi baseada em fontes secundárias
-
artigos encontrados com recurso a
palavras chaves (heroin, celebrities, addiction e AIDS) combinadas de diferentes formas
consoante a satisfação com os resultados obtidos, nas bases de dados (Web of Science e Scopus)
e motores de pesquisa (Google Académico e Research Gate); entrevistas, livros e biografias na
página oficial de tributo à modelo (Gia Carangi Lived Here)
-
que incluem: relatos documentais
da vida de Gia Carangi, documentários e entrevistas que capturam a sua experiência pessoal
e o impacto do heroin chicna moda (Smith et al., 2023); estudos científicos acerca do impacto
da fama e o uso de subsncias em celebridades, como “Being a Celebrity: A Phenomenology of
Fame” (Giles & Rockwell, 2009), que explora as dinâmicas psicológicas e sociais da fama e a vul-
nerabilidade das celebridades ao uso de subsncias; pesquisa acerca de media e cultura das cele-
bridades, análises da construção social do vício e o papel da media na perceção pública sobre o
uso de drogas, como “Celebrity Gossip Blogs and the Interactive Construction of Addiction(Tiger,
2015), que discute a interação entre público e media na criação de narrativas sobre dependência;
literatura científica sobre o heroin chic e as suas implicações psiquiátricas. Os dados utilizados
neste estudo foram obtidos de fontes públicas.
Para garantir a qualidade e relevância das informações, foram adotados critérios específicos
de inclusão e exclusão das fontes. Critérios de inclusão: fontes que fornecem informações deta-
lhadas sobre a trajetória de Gia Carangi e sobre o heroin chic como fenómeno cultural e social;
estudos científicos sobre vício em heroína, saúde mental de celebridades, vírus da imunodefi-
ciência humana (VIH) e síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA), e impacto da media
sobre a normalização do uso de substâncias. Critérios de exclusão: materiais sensacionalistas,
fontes com conteúdo especulativo e relatos sem fundamentação científica; as fontes excluídas
também incluíram aquelas que abordavam a temática de forma superficial ou imprecisa.
3.3. Procedimento de Análise
De forma a identificar e organizar os principais temas nas fontes selecionadas, foi realizada
uma alise temática, fundamentando-se em metodologias amplamente reconhecidas na pes-
quisa qualitativa, que seguiu o modelo enunciado por Braun & Clarke (2006). A análise foi guiada
por quatro categorias:
Fatores psicossociais e culturais: exploração dos aspetos culturais que contribuíram para
a criação e o refoo do heroin chic e como essa estética impactou o comportamento e as
decisões de figuras públicas. Este tema é sustentado por literatura sobre o impacto de ten-
dências culturais na saúde mental de figuras públicas (Giles, 2002).
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Pressão da fama e do meio da moda: como a indústria da moda impôs um estilo que, de
certa forma, normalizou o uso de heroína e contribuiu para a marginalização de quem
enfrentava problemas com subsncias. Esse aspeto é explorado em profundidade por
Smith et al. (2023), que discute o impacto negativo da glamourização da heroína na media e
na saúde mental dos indivíduos.
Consequências psicossociais do vício: análise dos impactos do vício de Gia sobre saúde
mental e nas relações interpessoais, enfatizando temas de isolamento e estigmatização.
Refencias como o trabalho de Meyers (2009), sobre o desgaste mediático das celebrida-
des contribuem para o estigma em torno das celebridades dependentes de droga (Tiger,
2015).
Implicações para a Psicologia Forense: discussão acerca da importância de intervenções
e políticas preventivas para figuras públicas expostas ao abuso de substâncias, susten-
tada por literatura que investiga a psicodinâmica de vício e intervenções forenses em
contextos de alta visibilidade (Marshall, 1997; Giles & Rockwell, 2009).
3.5. Considerações
Embora este artigo seja baseado em dados públicos, não envolvendo recolha de dados primá-
rios com sujeitos humanos, foram tomadas considerações de maneira a respeitar a memória
de Gia Carangi e manter o foco no objetivo científico da análise. Mesmo que o caso tenha sido
amplamente documentado, é fundamental que a abordagem evite qualquer exploração sensacio-
nalista dos aspetos delicados da vida pessoal da modelo, para tal, a pesquisa qualitativa priori-
zou a compreensão dos fatores culturais e psicológicos do vício sem recorrer ao sensacionalismo.
4. Implicações da Heroína
4.1. Descrição dos Efeitos da Heroina
A heroína é um opiáceo semissintético derivado da morfina, amplamente utilizado de forma
recreativa devido aos seus efeitos analgésicos e eufóricos (Kosten & George, 2002). Quando admi-
nistrada, seja por via intravenosa, inalação ou fumo, a droga liga-se rapidamente aos recetores
opioides no cérebro, ativando um sistema de recompensa dopaminérgico e induzindo uma sen-
sação de euforia seguida de relaxamento profundo (Kosten & George, 2002). Esses efeitos iniciais
tornam a heroína altamente viciante, promovendo um ciclo de reforço positivo no qual o indiví-
duo busca repetidamente a droga para reproduzir a sensação inicial, operando principalmente
pelo condicionamento operante (Kosten & George, 2002).
Com o uso repetido, a tolerância desenvolve-se, levando ao consumo de doses cada vez maio-
res para atingir os mesmos efeitos (Kosten & George, 2002). Isso, combinado com os sintomas
debilitantes da abstinência, como insónia, dores musculares, náuseas e ansiedade extrema, per-
petua um ciclo de dependência física e psicológica (Volkow et al., 2016). Estudos mostram que o
uso prolongado de heroína pode causar alterações no cérebro, especialmente nas regiões asso-
ciadas ao controlo de impulsos e à regulação emocional (Koob & Volkow, 2009). Essas alterações
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contribuem para o comportamento compulsivo e a incapacidade de interromper o uso, mesmo
diante de graves consequências pessoais e sociais (Volkow et al., 2016).
Os impactos físicos da heroína também são severos. Além do risco elevado de overdose,
devido à supressão respiratória, o uso intravenoso de heroína es associado à transmissão
de doenças como HIV e hepatite C, especialmente em populações que compartilham seringas
(Degenhardt et al., 2013). Esses fatores são particularmente relevantes no caso de Gia Carangi,
que sucumbiu às complicações associadas ao VIH numa época em que a consciencialização e os
tratamentos eram limitados (Fried, 1993).
4.2. Contribuições para a Psicopatologia do Vicio
A dependência em heroína é um fenómeno multifatorial, envolvendo interações complexas
entre predisposições genéticas, fatores psicológicos e influências ambientais (Nestler, 2005). Estu-
dos mostram que indivíduos com histórico familiar de abuso de subsncias possuem maior vul-
nerabilidade biológica ao desenvolvimento de vícios, devido a variações genéticas nos sistemas
dopaminérgicos e opioides (Goldman et al., 2005). Na modelo, fatores de risco emocionais, como
o trauma de uma infância complicada e a instabilidade emocional, podem ter desempenhado um
papel crítico no uso inicial de heroína como um mecanismo de defesa (Khantzian, 1997).
O contexto sociocultural em que Gia viveu também foi um impulsionador para o seu vício.
Durante os anos 80, a heroína era glamourizada em subculturas específicas, como a da moda, e
representada como um símbolo de rebeldia e exclusividade (Hunt et al., 2007). O movimento esté-
tico heroin chic romantizou o uso de heroína, associando a droga a uma aparência frágil e des-
gastada que refletia a vulnerabilidade emocional. Esse contexto cultural pode ter influenciado
Carangi a normalizar o uso de drogas como parte da sua identidade profissional e pessoal (Smith
et al., 2023).
4.3. Impacto na Vida e Saúde Mental da Modelo
O vício em heroína não apenas afetou a saúde física de Gia Carangi, mas também teve pro-
fundas implicações sociais e emocionais (Fried, 1993). A sua história ilustra como a dependência
pode isolar indivíduos, levando a um ciclo de estigmatização e marginalização, especialmente
num ambiente tão competitivo como o da alta costura (Room, 2005).
Numa fase precoce, a droga serviu como uma fuga das pressões da alta costura e das suas
emoções negativas, mas rapidamente a sua dependência comprometeu a sua saúde mental e
estabilidade profissional (Fried, 1993). Estudos indicam que o abuso de substâncias em ambientes
de alta pressão, como o de celebridades, é exacerbado pela falta de redes de apoio e pela presença
de pressões connuas para atender às expectativas externas (Giles & Rockwell, 2009).
O declínio da sua saúde mental tornou-se evidente por meio de comportamentos erráticos e
do seu isolamento progressivo (Fried, 1993). A heroína agravou a sua vulnerabilidade psicológica,
acentuando sentimentos de solidão e desespero, enquanto o estigma associado ao uso de drogas
a afastou ainda mais de potenciais fontes de ajuda (Room, 2005). Esse isolamento social é fre-
quentemente observado em consumidores de heroína, que enfrentam tanto preconceitos genera-
lizados quanto marginalização espefica, especialmente em contextos públicos ou profissionais
(Lloyd, 2013).
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Além dos impactos emocionais, o uso prolongado de heroína afetou fisicamente Gia de forma
significativa (Fried, 1993). O uso repetido de seringas contaminadas e a necessidade de recorrer
à prostituição para continuar a consumir resultaram na transmissão de VIH, uma complicação
comum entre usuários de drogas injetáveis na época (Degenhardt et al., 2013). A sua condição de
saúde, combinada com a ausência de apoio social efetivo, contribuiu para um ciclo de degradação
sica e emocional que culminou na sua morte prematura aos 26 anos; refletindo uma combi-
nação de fatores psicossociais, culturais e biológicos que exemplificam a complexidade do
vício em heroína (Fried, 1993).
5. Drogas e a Cultura das Celebridades
5.1. Influência do “Heroin Chic
A cultura das celebridades frequentemente glorifica os estilos de vida hedonistas, o que
pode contribuir para o uso de substâncias (Giles, 2002). Este fenómeno é evidente no caso de Gia
Carangi, cuja ascensão e queda exemplificam os riscos associados à fama (Fried, 1993).
O termo heroin chic surgiu como uma estética cultural nas décadas de 1980 e 1990 (Smith et al.,
2023). Caracterizado por corpos extremamente magros, pele pálida e um ar de vulnerabilidade,
o estilo foi amplamente promovido pela indústria da moda e pela media, sendo romantizado em
revistas fotográficas e campanhas publicitárias de grandes marcas (Smith et al., 2023). Essa gla-
mourização camuflava os danos causados pela heroína, transformando a substância destrutiva
num símbolo de rebeldia e exclusividade (Smith et al. 2023; Tiger, 2013).
Gia Carangi foi uma das primeiras figuras a serem associadas a essa estética, ainda que de
forma trágica. A sua aparência delicada e marcante foi frequentemente usada para vender a
ideia de beleza sombria, embora as suas lutas internas com o vício tenham sido minimizadas ou
ignoradas pela indústria (Fried, 1993). O caso de Gia ilustra como o heroin chic não apenas nor-
malizou o uso de droga em certos círculos, mas também contribuiu para a perpetuação de um
ambiente que desestimulava a procura por ajuda (Hunt et al., 2007; Giles, 2002). Estudos mostram
que representações mediáticas como essas podem aumentar a aceitação social do uso de substân-
cias entre jovens e indivíduos vulneráveis, enquanto marginalizam as consequências negativas
(Room, 2005).
5.2. Pressão Social e Celebração do Vicio
A cultura das celebridades frequentemente amplifica comportamentos autodestrutivos, pro-
movendo o uso de drogas como parte do estilo de vida glamoroso (Smith et al., 2023). No caso
da alta costura, o abuso de substâncias é muitas vezes considerado um “mal necessário” para
manter o ritmo exigente de trabalho, atender a padrões estéticos extremos e lidar com a pressão
constante por relencia (Meyers, 2009).
Just et al. (2016) realizaram um estudo com base em 295 celebridades que faleceram de over-
dose entre 1970 e 2015, entre as quais apenas 220 corresponderam os critérios de inclusão (refe-
ncias confiáveis, substâncias e contexto da morte claros e descrição precisa da substância). Dos
participantes, 75% são do sexo masculino e os restantes 25% são do feminino, a média de idade
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com que faleceram é 38.6 (a = 12.1), a média do ano de falecimento é 1995 (a = 13) e 65.5% têm
nacionalidade americana.
De acordo com a amostra coletada, é possível verificar que modelos correspondem a 5% das
profissões das celebridades que faleceram devido à toxicodependência (Fig. 1). Fica também evi-
dente que a substância mais utilizada (excluindo outras drogas prescritas não identificadas) é a
heroína (Fig. 2), a mesma que resultou na decadência e posterior óbito de Carangi.
Nota. Dados de ambos os gráficos (Fig. 1 e Fig. 2) adaptados de “Drug-related celebrity deaths: A cross-sectional study”, por Just
et al., 2016, Substance Abuse Treatment Prevention and Policy.
No caso de Gia Carangi, as pressões para se encaixar nos padrões rígidos da indústria e a
necessidade de manter uma aparência perfeita em todos os momentos agravaram a sua vulne-
rabilidade psicológica (Fried, 1993). A heroína, vista por muitos na época como uma “droga de
elite, era amplamente utilizada em círculos fechados da moda para aliviar o stress e suprimir o
apetite, contribuindo para manter a aparência desejada (Khantzian, 1997; Smith et al., 2023). Essa
romantização do uso de drogas reforça a noção de que o sucesso profissional e a autodestruição
estão interligados em ambientes de alta pressão, criando uma cultura de normalização perigosa
(Tiger, 2013).
Além disso, a media desempenhou um papel crucial na perpetuação dessas narrativas, retra-
tando figuras públicas que usavam drogas como indivíduos rebeldes e autênticos, ao mesmo
tempo em que explorava os aspetos mais sensacionalistas das suas vidas (Lloyd, 2013). Esse tipo
de documentação contribuiu para a construção interativa de vícios, na qual o público, através de
comentários e interação com essas histórias, reforça perceções distorcidas sobre o uso de subs-
tâncias (Tiger, 2013).
5.3. Dicotomia da Fama
A relação entre fama e saúde mental tem sido bastante estudada, com evidências de que a
exposição constante ao público e a pressões para atender às expectativas podem exacerbar pro-
blemas psicológicos subjacentes (Giles & Rockwell, 2009). A fama cria uma dicotomia em que as
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figuras públicas são idolatradas, mas também julgadas e estigmatizadas pelas suas falhas pes-
soais, incluindo o vício (Meyers, 2009).
Gia Carangi exemplifica como essa pressão pode levar ao colapso emocional. Embora a sua
carreira tenha sido marcada por sucesso, a falta de apoio emocional adequado e o isolamento
provocado pelo vício agravaram a sua saúde mental (Fried, 1993). Estudos sugerem que celebri-
dades em ambientes de alta pressão são particularmente suscetíveis a transtornos de humor,
como depressão e ansiedade, que muitas vezes as levam a recorrer a drogas como mecanismo de
defesa (Koob & Volkow, 2009; Khantzian, 1997).
Esse padrão é amplificado pelo estigma associado ao uso de drogas em figuras públicas, que
frequentemente as impede de procurar ajuda por medo de repercussões negativas nas suas car-
reiras (Lloyd, 2013). A combinação de vulnerabilidade emocional, estigma e expectativas irreais
cria um ciclo no qual o abuso de substâncias se torna simultaneamente numa resposta e causa de
sofrimento psicológico. Logo, é crucial que a industria da moda reconheça e aborde os problemas
de saúde mental e dependência entre os seus profissionais (Room, 2005).
6. Consequências Psicossociais do Vício
6.1. Impacto nas Relações Interpessoais e Carreira
O vício em heroína teve um impacto nas relações interpessoais de Gia Carangi, levando ao
afastamento de amigos e familiares. Além disso, a sua carreira foi prejudicada, resultando em
oportunidades perdidas e um legado manchado. A análise das consequências psicossociais do
vício é essencial para entender a complexidade da dependência e as suas repercussões na vida
de indivíduos em situações semelhantes (Fried, 1993).
Esta dependência é reconhecida por afetar profundamente as relações interpessoais e pro-
fissionais dos consumidores. No caso da modelo, o impacto foi devastador. À medida que
a sua dependência progredia, enfrentava dificuldades em manter compromissos, incluindo ses-
sões fotográficas e interações com colegas (Fried, 1993). Estudiosos indicam que o abuso de subs-
ncias frequentemente gera comportamentos erráticos, como impulsividade e isolamento, que
afetam negativamente a dinâmica social e profissional (Volkow et al., 2016).
A heroína exacerbou a vulnerabilidade emocional de Gia, tornando-a progressivamente mais
distante da sua rede de apoio (Fried, 1993). Estudos mostram que dependentes químicos muitas
vezes enfrentam conflitos familiares e perdas de amizades devido ao comportamento imprevi-
sível associado ao vício (Room, 2005). No ambiente altamente competitivo da moda, esses com-
portamentos resultaram na sua gradual exclusão profissional, ilustrando como a dependência
acentua o ciclo de exclusão social e deterioração pessoal (Room, 2005).
A estigmatização associada ao uso de drogas contribui significativamente para o isolamento
social, criando barreiras que dificultam a recuperação e o apoio emocional. Gia Carangi, como
figura pública, enfrentou duplo estigma: primeiro como dependente qmica, e segundo como
uma celebridade cujas lutas pessoais eram exploradas pela media (Lloyd, 2013). Estudos apon-
tam que indivíduos em posição de destaque sofrem um tipo específico de marginalização, carac-
terizado pelo escrutínio público e pela perda de privacidade, o que evidencia os efeitos negativos
do vício (Lloyd, 2013).
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Essa abordagem contribuiu para o seu afastamento do sistema de apoio social, aprofundando
o seu isolamento emocional e agravando o seu estado psicológico. A heroína, inicialmente uti-
lizada como uma fuga das pressões da fama, tornou-se a causa primária da sua exclusão social
(Fried, 1993).
7. Morte Prematura de Gia
7.1. Declinio e Legado Cultural
Os últimos anos de Gia Carangi foram marcados por um rápido declínio físico e emocional,
consequência direta da sua dependência em heroína e das complicações de saúde associadas,
após um afastamento gradual da indústria da moda devido a comportamentos imprevisíveis,
aparência deteriorada e frequentes faltas em compromissos profissionais (Fried, 1993). Estudos
indicam que indivíduos dependentes de heroína frequentemente enfrentam um colapso social e
económico, agravado por problemas de saúde mental e física (Degenhardt et al., 2013; Volkow et
al., 2016).
Gia foi diagnosticada com vírus da imunodeficiência humana, a infeção resultou em compli-
cações que aceleraram a sua deterioração física, culminando na sua morte precoce aos 26 anos
devido a pneumonia relacionada àndrome da imunodeficiência humana (Fried, 1993). A sua
trajetória ilustra como a combinação de vício, estigmatização e barreiras aos tratamentos contri-
buem para desfechos fatais em indivíduos com dependência química (Room, 2005; Degenhardt
et al., 2013).
Embora tragicamente breve, a vida de Gia Carangi deixou um impacto duradouro na cultura
popular e na indústria da moda. Tornou-se um símbolo tanto do glamour quanto das consequên-
cias devastadoras do heroin chic. Enquanto a sua aparência e presença icónica definiram uma era,
a sua história pessoal expôs as realidades sombrias por trás da glamourização do uso de substân-
cias (Fried, 1993). Estudos sugerem que histórias como a de Gia podem ajudar a desmistificar o
vício, trazendo à tona os riscos associados à romantização de comportamentos autodestrutivos
(Smith et al., 2023; Hunt et al., 2007).
A narrativa de Gia também contribuiu para discussões mais amplas sobre saúde mental e
abuso de substâncias em ambientes de alta pressão, como a moda e o entretenimento. Nos anos
seguintes à sua morte, houve um movimento crescente contra o heroin chic, com líderes culturais
e políticos, incluindo o então presidente dos EUA, Bill Clinton, condenando a glamourização da
heroína nos media e na publicidade (Smith et al., 2023). Essa mudança cultural ajudou a reformu-
lar a perceção pública do vício, promovendo maior consciencialização sobre as suas consequên-
cias (Volkow et al., 2016).
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8. Discussão
8.1. Reflexões da Trajetária de Gia Carangi
A trajetória de Gia Carangi é uma representação poderosa dos efeitos devastadores do abuso
de substâncias, agravados por fatores psicossociais e culturais. Como a própria descreveu:
Life and death energy and peace if I stoped [sic] today it was fun. Even the terriable [sic] pains
that have burn [sic] me and scarred my soul it was worth it for having been allowed to walked
[sic] where I’ve walked. Which was to hell on earth Heaven on earth back again, into, under,
far in between, through it, in it over and above it (Carangi, as cited in Fried, 1993, p. 378).
Essas palavras capturam a complexidade da sua experiência, refletindo simultaneamente a
luta constante entre a autodestruição e a busca por significado entre o caos.
Gia viveu num ambiente onde a pressão pela perfeição, a solidão emocional e a glamou-
rização do vício eram partes inseparáveis do quotidiano. Esse contexto, combinado com a sua
vulnerabilidade emocional, facilitou a transição para o uso de heroína como um mecanismo de
defesa. As suas declarações, como “it kind of creeps you up, in a world
that’s.
you know, none that
anyone will ever know, except someone that’s been there” (Carangi, 1982, 00:02:00), demonstram a
alienação que ela sentia, uma realidade comum para muitos dependentes em ambientes de alta
visibilidade.
A sua morte precoce, resultado de complicações de saúde causadas pelo abuso de heroína
e pela infeção por VIH, evidencia a falta de apoio adequado na sua trajetória. Gia simboliza o
impacto de uma cultura que, ao romantizar o heroin chic, desconsiderou os custos humanos asso-
ciados à dependência química.
8.2. Prevenção e Intervenção em Celebridades
Esta trajetória destaca a imporncia de estratégias preventivas e intervenções específicas
para figuras públicas em risco de abuso de subsncias. Celebridades frequentemente enfren-
tam uma combinação de fatores de risco únicos, incluindo pressão intensa por sucesso, escru-
tínio público constante e isolamento emocional, que as tornam particularmente vulneráveis a
comportamentos autodestrutivos (Giles, 2002; Giles & Rockwell, 2009). Esses fatores requerem
abordagens especializadas que integrem suporte psicológico, prevenção ao abuso de substâncias
e estratégias de gestão de stress.
Programas de prevenção podem ser particularmente eficazes quando incluem componen-
tes de educação sobre riscos associados ao abuso de substâncias, bem como estratégias para
lidar com as demandas específicas da fama. Um exemplo são programas que incorporam tera-
pias baseadas em mindfulness, comprovadamente eficazes na redução do stress e na promoção do
bem-estar emocional em indivíduos expostos a altos níveis de pressão (Garland et al., 2011). Am
disso, redes de apoio social, tanto formais (como grupos terapêuticos) quanto informais (amigos
e familiares), são fundamentais para prevenir a evolução do consumo de drogas em populações
vulneráveis (Kosten & George, 2002).
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8.3. O Papel da Psicologia Forense na Prevenção
A Psicologia Forense desempenha um papel essencial no enfrentamento do abuso de subs-
ncias, especialmente ao tratá-lo como um problema de saúde pública em vez de uma questão
exclusivamente criminal. Esse ponto é particularmente relevante em contextos de alta visibili-
dade, como o das celebridades, onde a marginalização e o estigma associados ao vício frequente-
mente impedem o acesso a tratamentos adequados (Lloyd, 2013; Volkow et al., 2016).
Uma abordagem eficaz para essa questão exige intervenções interdisciplinares que integrem
assistência médica, suporte psicológico e reabilitação social. A Psicologia Forense pode atuar
como mediadora entre os sistemas de justa e saúde, promovendo alternativas ao encarcera-
mento, como programas de tratamento supervisionado e reabilitação. Pesquisas mostram que
esses programas, especialmente aqueles que incluem terapia comportamental e assistência
médica integrada, são significativamente mais eficazes na redução da reincidência e na promo-
ção da recuperação a longo prazo (Degenhardt et al., 2013).
O caso de Carangi ressalta como as políticas punitivas que priorizam a criminalização em
relação à reabilitação intensificam a marginalização de dependentes químicos nos sistemas de
saúde e justiça (Room, 2005; Tiger, 2013). Também traz lições valiosas para combater o estigma em
torno do vício, especialmente entre figurar públicas. Numa entrevista, questionada sobre a sua
sobriedade, respondeu:Oh yes, I am definitely. I wouldn’t be here right now talking to you if I wasn’t
(Carangi, 1982, 00:02:11). Essa resposta revela uma luta interna e busca por redenção, mesmo
enfrentando adversidades relacionadas ao vício.
9. Conclusão
Ao debruçar sobre casos como o de Gia, as políticas públicas devem desestimular a roman-
tização do uso de substâncias e promover uma consciencialização equilibradas sobre os riscos.
Este exemplo é um lembrete poderoso das consequências de n egligenciar as necessidades emo-
cionais e sociais de indivíduos vulneráveis, assim como da imporncia de criar uma rede de
suporte que valorize o bem-estar e a recuperação como pilares fundamentais.
A experiência de figuras públicas que enfrentaram o abuso de substâncias também oferece
uma poderosa lição sobre a necessidade de desestigmatizar o vício. Mais do que um problema
individual, ele é influenciado por fatores sociais, culturais e sistémicos que devem ser aborda-
dos com empatia e pragmatismo (Lloyd, 2013). Estratégias eficazes incluem o fortalecimento de
programas que combinem suporte psicológico, assistência médica e reabilitação social, além da
promoção de campanhas que desincentivem a romantização do uso de drogas (Koob & Volkow,
2009; Degenhardt et al., 2013).
O legado de histórias como esta lembra-nos que o apoio, a recuperação e a inclusão social
são pilares fundamentais no combate do vício. Em última análise, a sociedade deve priorizar
a criação de estruturas de apoio acessíveis, que valorizem a dignidade humana e promovam a
consciencialização sobre os desafios e possibilidades de superação associados a essa questão.
Mais do que tratar o vício como uma lacuna moral ou individual, é imperativo reconhecer a
sua complexidade e as múltiplas vulnerabilidades que ele reflete. Não se trata apenas de salvar
vidas, mas de dar espaço à recuperação diante do colapso. Esse é o verdadeiro impacto de uma
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abordagem empática e científica: não apenas reduzir danos, mas abrir portas para um futuro
onde ninguém seja deixado para ts.
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