
52
PSIQUE • e-ISSN 2183-4806 • Volume XXI • Issue Fascículo 1 • 1st january janeiro-30th june junho 2025 • pp. 49-55
Filipa Inácio, Odete Nunes, João Hipólito
como as normas sociais e a mentalidade coletiva do Das Man (o “se” impessoal). Assim, ao viver
segundo as expectativas externas, o indivíduo evita a crise, mas também se distancia da sua
autenticidade.
Contudo, Heidegger argumenta que a angústia não deve ser vista apenas como um sofrimento
paralisante, mas como uma possibilidade transformadora. A crise existencial, ao desestabilizar
certezas e expor a vulnerabilidade do ser humano, pode abrir caminho para uma existência
autêntica (Eigentlichkeit), na qual o indivíduo assume a sua própria liberdade e responsabilidade
de ser. Assim, a superação da crise não se dá pela fuga ou pela adesão irrefletida às convenções,
mas pela aceitação consciente da própria finitude e pela busca de um modo de vida que esteja em
sintonia com a verdade do seu próprio ser.
Irvin D. Yalom, psiquiatra e psicoterapeuta existencial, abordou a crise como um fenómeno
existencial relacionado com os quatro desafios fundamentais da existência: a morte, a liberdade,
o isolamento e a falta de sentido. Para Yalom (1980), a crise existencial ocorre quando o indivíduo
se confronta com essas realidades inevitáveis da vida, gerando angústia e sofrimento psicológico.
Diferente das abordagens tradicionais da psicopatologia, que enfatizam causas intrapsíquicas
ou comportamentais, Yalom argumenta que muitas perturbações emocionais derivam da
incapacidade de lidar com essas questões fundamentais da existência.
A morte, por exemplo, é um dos principais catalisadores da crise existencial. Embora muitas
pessoas evitem pensar sobre a sua própria finitude, momentos de perda ou eventos traumáticos
podem tornar essa realidade inegável, levando a sentimentos de medo e desamparo (Maldonado,
2021). Da mesma forma, a liberdade, entendida como a ausência de um destino pré-determinado,
pode ser fonte de angústia, pois obriga o indivíduo a assumir total responsabilidade pela sua vida
e escolhas. Esse confronto com a própria autonomia pode gerar paralisia decisória ou fuga para
estruturas externas que ofereçam um falso sentido de segurança.
Outro elemento essencial na teoria de Yalom é o isolamento existencial, que diz respeito à
impossibilidade de um vínculo absoluto com os outros. Embora as relações interpessoais possam
oferecer conforto e conexão, nenhum ser humano pode experimentar completamente a realidade
subjetiva do outro, gerando um sentimento inevitável de solidão. Por fim, a crise existencial pode
ser intensificada pela falta de sentido, especialmente em momentos de transição ou perda. Yalom,
I., D., Yalom, M. (2021) Quando os sistemas tradicionais de significado – como a religião, a cultura
ou os papéis sociais – falham em proporcionar um propósito satisfatório, o indivíduo pode entrar
numa espiral de niilismo e desesperança.
Segundo o autor, a superação da crise existencial não envolve a eliminação dessas angústias
fundamentais, mas sim a sua aceitação consciente. O crescimento pessoal ocorre quando o
indivíduo enfrenta corajosamente essas realidades e cria um sentido próprio para a sua existência.
Deste modo, a crise não é vista apenas como um momento de sofrimento, mas também como
uma oportunidade para a transformação e o amadurecimento psicológico.
Também Ernesto Spinelli, psicoterapeuta existencial contemporâneo, aborda o conceito de
crise, encarando-o como uma oportunidade crítica para a mudança existencial e a transformação
pessoal, na qual a ruptura da visão do mundo (worldview) abre a possibilidade de uma compreensão
mais profunda de si próprio e de uma vida autêntica (2014).
Num outro contexto, C. Rogers, um dos principais teóricos da psicologia humanista, abordou
a crise como um fenómeno existencial no âmbito do desenvolvimento da personalidade e da
autorrealização. Segundo Rogers (1951), a crise surge quando há uma incongruência significativa