
51
PSIQUE • e-ISSN 2183-4806 • Volume XIX • Issue Fascículo 1 • 1
st
january janeiro-30
th
june junho 2023 • pp. 49-70
A representação social do trabalho numa amostraportuguesa
também que há uma metacognição sobre o mesmo, isto é, que há um conjunto de ideias parti-
lhadas sobre como as coisas devem (ou não) ser feitas, sobre os papéis que se desenham e que
concorrem entre si, e, ulteriormente sobre o que o trabalho significa individual e socialmente – a
representação do social trabalho.
Moscovici (1976) define a representação social como um reflexo interno de uma realidade
externa. Afastando-se da noção de representação coletiva de Durkhein, Moscovici (2001) afirma
que ao representarmos uma coisa ou uma noção, não produzimos unicamente as nossas próprias
ideias e imagens, mas criamos e transmitimos um produto progressivamente elaborado em inú-
meros lugares, de acordo com variadas regras. O autor defende assim a existência de represen-
tações sociais, componentes da cognição aprendidas entre a sociedade e que vão sendo transmi-
tidas de pessoa para pessoa de forma a facilitar a comunicação entre os mesmos. Jodelet (1989)
estende a proposta de Moscovici ao compreender a representação social como uma modalidade
de conhecimento prático orientado não só para a comunicação, mas também para a ação.
Uma visão mais sociocognitiva das representações sociais pressupõe que estas se apre-
sentam como conjuntos organizados de cognições sobre um dado objeto (Flament, 1994 citado
em Wagner, 1996). Essas cognições parecem organizar-se em sistemas distintos (Abric, 1993): o
núcleo central e o sistema periférico. Estas dimensões, complementares, apresentam caracterís-
ticas funcionais diferenciadas. O núcleo central é cunhado pela memória coletiva, onde é possí-
vel verificar os valores do grupo; constitui a base comum, consensual e coletivamente partilhada
acerca das representações; é estável, coerente, resistente à mudança, assegurando assim a con-
tinuidade e permanência da representação; e é relativamente pouco sensível ao contexto social
e material. Podemos então concluir que o sistema central tem como função gerar o significado
básico da representação e determinar a organização global de todos os elementos. O sistema
periférico seria constituído pelos demais elementos da representação, permitindo a interface
entre a realidade concreta e o núcleo central (Abric, 2001).
A representação social permitirá não apenas estabelecer estruturas de cognições, como tam-
bém interpretar e conceber aspetos da realidade, bem como agir em relação à mesma (Wachelke
& Camargo, 2007). Os critérios definidos por Wagner (1998) refletem a necessidade de entender
a representação, tanto processo como produto, na sua ótica socio-genética. Nesse âmbito, uma
representação deve apresentar consenso funcional, relevância, prática, holomorfose e afilia-
ção. Todos estes critérios remetem para a necessidade de as representações serem produzidas e
compartilhadas num grupo social, permitindo manter a identidade grupal, correspondência de
práticas, delinear um continuum entre o pensamento individual e social e informar os indiví-
duos como elementos do ingroup se comportariam ou pensariam sobre uma dada situação social
(Wachelke & Camargo, 2007).
Conhecer a representação social do trabalho é, por isso, conhecer a forma como o grupo
organiza e estrutura as cognições referentes ao trabalho. Estas cognições poderão acarretar não
apenas uma visão normativa em relação ao trabalho, mas também uma visão prescritiva deter-
minando atitudes, comportamentos e afetos em relação ao objeto. Para Abric (1993) estas são
tanto estáveis como flexíveis, consensuais, mas com marcadas diferenças inter-individuais, isto
é, os elementos de um dado grupo partilham o mesmo sistema de cognições, mas tanto integram
dimensões da sua experiência individual nessa estrutura, como a própria apropriação da estru-
tura implica uma experiência subjetiva.