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O QUOCIENTE DE INTELIGÊNCIA COMO CARACTERÍSTICA
NEUROPSICOLÓGICA NOS AGRESSORES SEXUAIS
THE INTELLIGENCE QUOTIENT AS A NEUROPSYCHOLOGICAL
CHARACTERISTIC IN SEXUAL OFFENDERS
Marlene C. Marques1 e Lígia Ferros2
PSIQUE • EISSN 21834806 • VOLUME XVIII • ISSUE FASCÍCULO 1
1ST JANUARY JANEIRO  30TH JUNE JUNHO 2022 PP. 826
DOI: https://doi.org/10.26619/2183-4806.XVIII.1.1
Submitted on 21.01.21 Submetido a 21.01.21
Acceptted on 9.07.21 Aceite a 9.07.21
Resumo
A relação entre características neuropsicológicas, nomeadamente a inteligência geral (QI), e
o crime de abuso sexual tem recebido atenção considerável na literatura. Embora não haja con-
senso absoluto, os resultados sugerem que os ofensores sexuais constituem um grupo de sujeitos
caracterizado por um desempenho individual limitado. O presente artigo avalia a inteligência
geral de 50 indivíduos a cumprirem medida privativa de liberdade por crimes de abuso sexual,
no Estabelecimento Prisional do Porto, partindo da hipótese de que esta população possuirá um
QI indicador de um funcionamento intelectual deficitário. Os instrumentos utilizados incluem
um questionário para recolha de dados sociodemográficos e um instrumento de avaliação da
inteligência geral, a Forma Geral das Matrizes Progressivas de Raven – FG-MPR (Raven et al.,
2001). Os resultados obtidos confirmam a hipótese avançada.
Palavras-chave: crime, abuso sexual, inteligência, neuropsicologia
Abstract
The relationship between neuropsychological characteristics, namely general intelligence
(IQ), and the crime of sexual abuse has received considerable attention in the literature. Although
there is no absolute consensus, the results suggest that sexual offenders are a group of subjects
characterized by a limited individual performance. This article evaluates the general intelligence
of 50 individuals incarcerated at Oporto Prison, based on the hypothesis that this population have
1 Mestre em Psicologia Clínica pela Universidade Lusíada do Porto. Psicóloga na Divisão de Psicologia da Polícia de Segurança
Pública. Porto, Portugal. E-mail: mcmarques.psic@gmail.com
2 Professora na Universidade Lusíada do Porto. Diretora Científica do INSPSIC – Instituto Português de Psicologia. Porto, Por-
tugal. Email: ligiacferros@por.ulusiada.pt
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an IQ indicating deficient intellectual functioning. The instruments used include a questionnaire
for collecting sociodemographic data and an instrument for evaluating general intelligence, the
General Form of Ravens Progressive Matrices - FG-MPR (Raven et al., 2001). The results obtained
confirm the advanced hypothesis.
Keywords: crime, sexual abuse, intelligence, neuropsychology
O Quociente de Inteligência como Característica Neuropsicológica
nosAgressores Sexuais
O crime, na sua configuração mais genérica e inseparável da própria condição social da
humanidade, tem sofrido ao longo da história imeras alterações. Atualmente, apresenta as
caraterísticas de um fenómeno social (Cusson, 2007), manifestando-se em todas as sociedades,
de uma forma complexa, com repercussões a vários níveis, dando assim origem ao surgimento
de uma variedade de modelos explicativos, alguns do quais consagrando a distinção entre os
diferentes tipos de crime.
Ao longo das últimas décadas, têm sido muitas as evidências que sugerem que o funciona-
mento intelectual está associado ao crime (Hirschi & Hindelang, 1977; Wilson & Herrnstein, 1985).
Embora muitos investigadores considerem os fatores sociológicos, como a etnia ou a pobreza, os
grandes responsáveis pelo crime, outros tentaram demonstrar a imporncia do funcionamento
intelectual na compreensão do comportamento criminoso. Neste âmbito surgiram duas explica-
ções principais para o papel do desempenho intelectual no crime. Em primeiro lugar, foi sugerido
que o crime e a criminalidade são indiretamente influenciados por um baixo quociente de inteli-
gência (QI) associado ao baixo desempenho escolar, desempenho profissional e adaptação e inte-
gração social em geral (Magdol et al., 1998; Ward & Tittle, 1994, citado por Guay et al., 2005). Uma
segunda explicação da relação entre inteligência e crime é chamada de hipótese direta, segundo
a qual indivíduos com baixo QI têm menos probabilidade de antecipar as consequências das suas
ações e de compreender o sofrimento dos outros (Cusson, 1998). Portanto, pode-se supor, por
um lado, que a inteligência pode influenciar o desenvolvimento do comportamento criminoso e,
por outro, a forma como os crimes são cometidos (Guay et al., 2005). Assim, os estudos da rela-
ção entre crime e inteligência têm-se focado, principalmente, na avaliação do impacto negativo
do funcionamento intelectual sobre comportamento criminoso e na avaliação da influência do
baixo QI em variáveis como o planeamento do crime e a gravidade das ofensas.
De facto, a investigação levada a cabo nos últimos anos, tem deixado clara a existência de
uma ligação entre níveis baixos de QI e o envolvimento criminoso (Diaz et al., 1994; Jolliffe &
Farrington, 2004).
Numa investigação conduzida por Diaz et al. (1994), foi proposto que um QI mais baixo res-
tringe a probabilidade de sucesso académico na escola o que, consequentemente poderá aumen-
tar a probabilidade de execução de atos delinquentes. De forma mais ampla, a pesquisa que teve
como objetivo examinar as origens do comportamento ofensivo (particularmente na delinquên-
cia juvenil) identificou o baixo QI como um preditor do comportamento criminoso (Diaz et al.,
1994).
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Um outro grupo de investigadores também demonstrou que indivíduos com níveis de QI
mais baixos são mais propensos a cometer crimes mais graves e violentos (Hayes & McIIwain,
1988; Martell, 1991, citado por Freeman, 2012). Além disto, existem evidências que demonstram
que os infratores apresentam um QI mais baixo do que os não infratores (Wilson & Herrnstein,
1985, citado por Freeman, 2012).
Outros autores encontraram ligações entre uma inteligência deficitária e o comportamento
criminoso (McGarvey et al., 1981; Culberton et al., 1989, citado por Freeman, 2012).
Gibson e West (1970) compararam delinquentes com não delinquentes com recurso a tes-
tes de inteligência. Verificaram que os sujeitos inseridos nos grupos de delinquentes pontuaram
mais baixo nos subtestes verbais e não verbais. Estes resultados foram posteriormente confir-
mados por Wolfgang et al. (1972), que utilizaram uma amostra de 9945 indivíduos. As diferenças
encontradas indicaram que o grupo de não delinquentes pontuou mais alto nos instrumentos
que avaliaram a inteligência. Yeudall et al. (1982) também encontraram diferenças significativas
entre o QI de delinquentes e não delinquentes, tendo estes últimos obtido melhores resultados.
Alguns autores atribuem esta relação ao facto de indivíduos com menor inteligência serem
mais vulneráveis a envolverem-se em crimes, uma vez que têm uma capacidade reduzida de
compreender e comunicar de forma eficaz, perante possíveis ameaças interpessoais (Welte &
Wieczorek, 1999).
Contudo, é importante evidenciar que nem todos os indivíduos com QI baixo estão predis-
postos ou incorrem em crimes, uma vez que o comportamento humano, mais especificamente a
passagem ao ato criminal, resulta de um conjunto de fatores.
Concluindo, podemos dizer que segundo os estudos apresentados, as condutas criminosas
parecem apresentar um fator comum relacionado com um funcionamento intelectual deficitá-
rio. Isto permite-nos questionar se este desempenho intelectual mais baixo apresenta diferenças
significativas quando se distinguem osrios tipos de crime, nomeadamente aqueles que estão
relacionados com condutas sexuais.
Para isso, reveste-se de grande imporncia, antes de mais, fazer um enquadramento jurídico
dos crimes sexuais, no plano jurídico português.
Enquadramento Legal
Os crimes sexuais são descritos no Código Penal, sob o título “Crimes Contra A Liberdade e
Autodeterminação Sexual. Dentro deste tema, estão englobados crimes como a coação sexual, a
violação, o lenonio, o abuso sexual de crianças (Governo da República Portuguesa, 1995). Para
efeitos do presente estudo, tendo em conta que a amostra é constituída apenas por indivíduos
que cometeram crimes de violação e/ou abuso sexual, independentemente da idade da vítima ou
circunstâncias situacionais, as abordagens seguintes serão centradas nestes dois tipos de ofen-
sores sexuais.
Segundo o Código Penal (Governo da República Portuguesa, 1995), a violação é definida no
artigo 164º como:
1 – quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado
inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa: a) a sofrer
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ou praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral; ou b) a sofrer intro-
dução vaginal ou anal de partes de corpos ou objetos; é punido com pena de prisão de três
a dez anos; e, 2- quem, por meio não compreendido no número anterior e abusando da
autoridade resultante de uma relão familiar, de tutela, ou de dependência hierárquica,
económica ou de trabalho, ou aproveitando-se de temor que causou, constranger outra
pessoa: a) a sofrer ou praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral; b)
a sofrer introdução vaginal ou anal de partes de corpos ou objetos; é punido com pena de
prisão até três anos. (p. 67)
Quanto à definição de abuso sexual, existem diferentes artigos no Código Penal (Governo da
República Portuguesa, 1995) nos quais se encontram estas definições, tendo por base os diferen-
tes tipos de vítimas. Assim, podemos encontrar o crime de Abuso Sexual de Pessoa Incapaz de
Resistência (artigo 165º), Abuso Sexual de Pessoa Internada (artigo 166º), Abuso Sexual de Crian-
ças (artigo 171º), e Abuso Sexual de Menores Dependentes (artigo 172º), entre outros.
Apesar da distinção ampla que o Código Penal prevê para os crimes sexuais importa, do
ponto de vista científico, compreender quais os fatores e circunstâncias que estão associados ao
aumento da probabilidade da ptica destes crimes e quais os que contribuem para diminuir as
probabilidades de ocorrência de um comportamento desviante deste tipo.
Fatores de Risco e Fatores Protetores
Vários teóricos têm centrado a importância que o papel das práticas parentais desempenha
no comportamento criminoso, demonstrando que este influencia o grau com que os indivíduos
se envolvem em comportamentos antissociais (Hoeve et al., 2009; citado por Oliveira, 2016). No
que diz respeito aos fatores de risco familiares, em específico para o envolvimento dos indi-
víduos em crimes sexuais,rios estudos demonstraram a existência de uma relação entre o
funcionamento familiar e a ocorrência de agressão sexual. Para Farrington (1996) a pertença a
uma família numerosa, baixos níveis de supervisão parental, estilos educativos inconsistentes,
antecedentes psiquiátricos e criminais na família podem estar relacionados com a ocorncia da
agressão sexual.
Alguns autores afirmam ainda que as crianças abusadas fisicamente, sexualmente ou negli-
genciadas ficam mais expostas ao desenvolvimento de condutas agressoras (Kim et al., 2009).
O desenvolvimento cognitivo e rendimento escolar baixos, a reduzida empatia e a elevada
impulsividade podem estar relacionados com a ocorrência de agressões sexuais (Lipsey & Der-
zon, 1998). Isto porque um quociente intelectual baixo está associado ao insucesso escolar que,
consequentemente, pode levar a um envolvimento deficitário e ao insucesso escolar. Por sua vez
estes fatores podem conduzir o indivíduo a abandonar precocemente a escola e a envolver-se em
comportamentos desviantes causados pela sensação de exclusão social.
Para Ward et al. (1999) a ausência de empatia pela vítima está presente nos agressores sexuais.
Neste sentido acredita-se que estes défices empáticos, possivelmente causados por experiên-
cias traumáticas precoces, possam estar relacionados com distorções cognitivas que impedem o
agressor de perceber o impacto causado (Hunter et al., 2007).
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Ao nível da reincidência do crime sexual verificou-se uma maior prevalência de perturba-
ções da personalidade diagnosticadas nestes agressores. O motivo reside no facto de estas des-
creverem um padrão persistente de comportamento mal-adaptativo que se manifesta emrias
áreas (e.g., cognição, afetividade, funcionamento interpessoal, controlo de impulsos) que podem
desencadear um prejuízo no funcionamento social, podendo as repetidas agressões sexuais ser
uma parte desse padrão comportamental (Doren, 2002).
Neste âmago é também importante considerar os fatores de proteção, isto é, as característi-
cas pessoais e circunstâncias associadas que reduzem a probabilidade de ocorrência de crimes
sexuais (Andrews, 1995).
Segundo Garmezy e Masten (1994; citado por Oliveira, 2016) existem três fatores de proteção
relevantes: (1) características individuais (e.g., autoestima, inteligência, capacidade para resolver
problemas e competências sociais), (2) fatores familiares, (estabelecimento de vínculos afetivos
positivos com a falia) e (3) fatores da comunidade (e.g., escola, igreja, grupos de ajuda).
A capacidade para resolver problemas, a inteligência acima da média e as competências
sociais (e.g., sucesso académico, participação e sucesso em atividades, capacidade de se relacio-
nar facilmente, autoestima elevada e sensação de eficácia) são características que atuam como
fatores de proteção (Rae-Grant et al., 1989).
A existência de vínculos afetivos, o apoio e supervisão parental são indicativos de fatores
protetores que reduzem a probabilidade de as criaas desenvolverem comportamentos crimi-
nosos (Kumpfer & Alvarado, 2003).
A oportunidade de a criança interagir com os pares e outras figuras da sua comunidade, a
sensação de pertença a uma rede social estabelecida são características que diminuem a proba-
bilidade da criaa vir a apresentar comportamentos delinquentes (Holden et al., 1998).
Tipologia dos Agressores Sexuais
Assim, podemos assumir que os agressores sexuais constituem um grupo heterogéneo que
pode ser classificado segundo diferentes tipologias. O estabelecimento de tipologias, possibilita
não a identificação e caracterização deste tipo de indivíduos como também uma interven-
ção adequada e específica face às suas características. A utilidade desta diferenciação pode ser
estendida ao nível da investigação criminal, no que concerne à identificação das características
mais proeminentes de um determinado tipo de indivíduo que comete determinado tipo de com-
portamento sexual ofensivo, bem como na avaliação do comportamento sexual ofensivo futuro
e ao nível da reincidência no crime (Burgess et al., 2007).
Neste tipo de crimes, o mais comum é a diferenciação destes sujeitos atendendo ao tipo de
vítima. Contudo, para uma melhor compreensão destes indivíduos, é necesrio conhecer as
suas características e as motivações que estão inerentes ao seu comportamento ofensivo. Esta
caracterização permite estabelecer um plano de tratamento mais eficaz, bem com uma forma
de alocar estes indivíduos nas instituições judiciais mais adequadas (Robertiello & Terry, 2007).
Como demonstrado, existem algumas características comuns nos violadores, como a baixa
autoestima, problemas de abuso de subsncias, gestão ineficaz dos sentimentos de raiva e regula-
ção estado de humor desadequada. Muitos deles provêm de famílias desestruturadas onde existe
inconsistência nas práticas educativas. Rebocho (2007), ao estudar os violadores portugueses,
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salientou que este tipo de agressores vivenciou um conjunto de experiências ao longo do seu
desenvolvimento que originaram tais comportamentos, defendendo a importância de explorar
essa realidade para que a intervenção seja o mais adaptada possível.
No caso dos abusadores sexuais de menores, o início do seu comportamento abusivo pode ter
diferentes causas, mas na sua maioria as competências sociais deficitárias, a baixa autoestima,
a sensação de inadequação, o sentimento de vulnerabilidade, a dificuldade nos relacionamentos
interpessoais com adultos, a autoimagem negativa, os problemas em termos de realização sexual,
a humilhação e a solidão, são as características mais presentes (Vieira, 2010).
Na literatura é possível encontrar tipologias de agressores sexuais distintas consoante o
ato cometido (e.g., pedofilia, violação, necrofilia, exibicionismo, fetichismo, voyeurismo, maso-
quismo, sadismo, entre outros.). Contudo, importa salientar que as tipologias existentes sobre os
agressores sexuais não são totalmente cabais, mas possibilitam uma compreensão mais com-
plexa dos fenómenos que se pretendem estudar.
Na literatura são vários os autores que classificam os tipos de violadores e abusadores sexuais.
Por exemplo, Cohen et al. (1971) refere a existência de quatro grupos diferentes de violação: (1)
a violação de agressão, cujo objetivo do ofensor é humilhar a vítima com recurso, muitas vezes,
ao uso de comportamentos sádicos; (2) a violação compensatória, em que o intuito do ofensor é
demonstrar a competência sexual, como forma de compensar a ausência de adequação a uma
vida socialmente adaptada; (3) a violação sexual agressiva, na qual, o ofensor impõe dano físico
nas vítimas como fonte de obtenção de prazer; e, (4) a violação impulsiva, na qual, o ofensor
comete o crime aproveitando uma oportunidade que surja.
No que toca aos abusadores de menores, Knight e Prentky (1990) criaram uma tipologia que
considera dois eixos: (1) o eixo da fixação e competência social independentes entre si e (2) o eixo
que tipifica a intensidade do contacto com as vítimas. Através desta diferenciação os autores
pretendiam diferenciar os agressores e avaliar o dano e o risco de violência.
De facto, Burgess et al. (2007) reforçam a ideia da importância da classificação dos ofensores
sexuais, permitindo uma melhor compreensão e caracterização dos indivíduos e, consequente-
mente, a constrão de programas de intervenção mais individualizados e eficazes.
Investigações Realizadas no Âmbito dos Agressores Sexuais
A problemática dos crimes sexuais é um fenómeno complexo e tem vindo a ser reconhecida
como um grande problema social e de saúde pública (Reis et al., 2015). Deixou, desde há muito,
de ser uma questão de elite ou de minorias, para ser um problema da comunidade e dos agentes
mais diretamente envolvidos com os indivíduos afetados por esta problemática. Como conse-
quência do aumento do número de denúncias de casos de abuso sexual e violação em todo o
mundo, cada vez mais os profissionais da saúde mental investem no desenvolvimento de progra-
mas de prevenção e de apoio à vítima (Grazina, 2016).
Apesar desta preocupação crescente e contínua, no desenvolvimento de estratégias de com-
bate a esta realidade, poucos têm sido os esforços de intervenção junto dos ofensores sexuais,
como forma de prevenção e intervenção.
No entanto, nas últimas décadas começa-se a assistir a uma preocupação crescente em com-
preender esta realidade, na perspetiva do abusador sexual.
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Neste sentido, alguns estudos científicos têm-se debrado sobre os fatores comuns a este
fenómeno, havendo descobertas científicas que apontam para a presença de certas característi-
cas neuropsicológicas transversais aos indivíduos que cometem crimes de abuso sexual.
Contudo, apesar do crescente interesse sobre esta realidade, são escassos os estudos que
investigaram empiricamente a questão e grande parte da pesquisa científica sobre este tipo
de crime comparou apenas os criminosos sexuais, de uma forma geral, com os criminosos não
sexuais (Guay et al., 2005).
Dos estudos empíricos realizados verificou-se que uma parte não encontrou diferenças
significativas entre os dois grupos (Tarter et al., 1983; Vera et al., 1979, citado por Guay et al.,
2005). Outros estudos, que compararam certos subtipos de crimes sexuais, nomeadamente abuso
sexual, embora alguns tenham encontrado diferenças significativas no funcionamento intelec-
tual dos indivíduos que cometeram este tipo de crime (Langevin, et al., 1989; Ruff, et al., 1976,
citado por Guay et al., 2005), outros não observaram tais diferenças (Ford & Linney, 1995, citado
por Guay et al., 2005).
Uma das investigações que procurou avaliar várias dimensões neuropsicológicas, concluiu
que os agressores sexuais, cujas vítimas são crianças, tendem a obter pontuações mais baixas do
que os agressores sexuais de adultos ao nível das funções executivas, isto é, das competências
cognitivas necessárias para controlar e regular os pensamentos, emoções e ações. Por outro lado,
os agressores sexuais contra adultos tendem a obter resultados semelhantes aos de agressores
não sexuais, obtendo pontuações mais baixas no que toca à fluência verbal e inibição (Joyal et al.,
2014). No entanto, considerou-se necessária a realização de mais estudos neuropsicológicos que
distingam subgrupos específicos de agressores sexuais para confirmar estas tendências.
Apesar da escassez de estudos que reconheçam os vários subtipos de agressores sexuais,
quando se avaliam as características neuropsicológicas, grande parte das descobertas científicas
parece apontar para um denominador comum relacionado com a inteligência geral (Cantor et al.,
2005).
Ruff, et al. (1976) numa investigação em que compararam o QI de indivíduos condenados
por crimes de abuso sexual com o QI de indivíduos condenados cujo crime não estivesse rela-
cionado com o abuso sexual, obtiveram resultados que evidenciaram um QI significativamente
mais baixo no caso dos agressores sexuais. Estes dados são concordantes com o estudo realizado
por Guay et al. (2005), em que mostram que os agressores sexuais tendem a obter um desempe-
nho mais baixo nas escalas que avaliam a inteligência, quando comparados aos resultados da
restante população prisional. Também o estudo de Day (1994) dá suporte à ideia de que os ofen-
sores sexuais podem constituir um grupo diferente dos restantes sujeitos, caracterizado por um
desempenho intelectual limitado.
De facto, as evidências demonstram que a inteligência geral tem sido um fator neuropsico-
lógico relevante a ser considerado nos indivíduos que cometeram crimes de abuso sexual, uma
vez que tem sido estudado como estando associado a crimes desta natureza (Guay et al., 2005).
Há mais de 70 anos que a inteligência geral (QI) tem sido uma característica neuropsicoló-
gica muito estudada nos agressores sexuais (Cantor et al., 2005). Contudo, os resultados têm sido
inconsistentes e os estudos relevantes são muito escassos. Neste sentido, como ponto de partida,
pretende-se avaliar o QI de indivíduos a cumprirem prisão efetiva no Estabelecimento Prisional
(EP) do Porto, por este tipo de crime. A pertinência do interesse neste tópico relaciona-se com
as implicações que este estudo poderá ter na criação de orientações que possam pautar novas
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formas de tratamento clínico e reduzir, consequentemente, a reincidência desta problemática
(Capra et al., 2014).
Tendo como ponto de partida o quadro conceptual esboçado a partir dos estudos revistos,
procuraremos nesta investigação avaliar e analisar uma determinada característica neuropsico-
lógica, nomeadamente a inteligência geral (QI), dos agressores sexuais. Com este estudo preten-
de-se analisar a inteligência geral de indivíduos a cumprirem medida privativa de liberdade por
crimes de abuso sexual, partindo da hipótese de que esta população possui um QI revelador de
um funcionamento intelectual deficitário.
Método
Participantes
Procede-se em seguida a uma caracterização sociodemográfica da amostra, tendo em conta
a idade, o estado civil e as habilitações literárias (Tabela 1).
A amostra deste estudo foi constituída por 50 adultos do sexo masculino, condenados, a cum-
prirem medida privativa da liberdade (prisão efetiva) no Estabelecimento Prisional do Porto, por
crimes relacionados com abuso sexual. As idades variaram entre os 25 e os 70 anos, sendo a
média de idades 46 anos. No que se refere ao estado civil, 42% dos indivíduos são casados ou
vivem em união de facto, 30% são solteiros, 24% são divorciados e 2% são viúvos.
TABELA1
Caracterização sociodemográfica da amostra
Variáveis n%M DP
Idade 46 10,6
30 4 8.2
31 a 50 anos 27 55.1
≥ 51 anos 18 36.7
Estado Civil
Solteiro 15 30.6
Casado/União de facto 21 42.9
Divorciado/Separado 12 24.5
Viúvo 1 2.0
Habilitações Literárias
Analfabeto 1 2.2
1º ciclo (4ª classe) 15 32.6
2º ciclo (6º ano) 15 32.6
3º ciclo (9º ano) 11 23.9
Ensino secundário 2 4.3
Ensino superior 2 4.3
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Instrumentos
No protocolo de avaliação recorreu-se a um questionário para recolha de dados sociodemo-
gráficos e um instrumento de avaliação da inteligência geral (Forma Geral das Matrizes Progres-
sivas de Raven – FG-MPR), que passaremos a descrever, em seguida.
1. Questionário:
Trata-se de um questionário construído pelas investigadoras, especificamente para este
estudo empírico, que permitiu a recolha de dados sociodemográficos relativos à idade, ao
estado civil, às habilitações literárias, ao número de filhos e à falia de origem.
2. Forma Geral das Matrizes Progressivas de Raven (FG-MPR):
A forma mais conhecida do Teste das MPR é a FG-MPR (publicada pela primeira vez em
1938) que foi concebida em Inglaterra por John Raven e Lionel Penrose, com o objetivo de
medir os processos de edução que Spearman considerava como a essência da inteligên-
cia (Jensen, 1980, citado por Garcia, 2016).
A FG-MPR consiste em perceber as caractesticas principais de uma matriz total ou
puzzle diagramático e apreender relações descobrindo, assim, as regras abstratas que
governam as diferenças entre os elementos da matriz. O Teste da FG-MPR consiste num
conjunto de tarefas inteiramente não-verbais e expressamente concebido para reduzir a
dependência do item no conhecimento adquirido, no conteúdo cultural e escolar durante
a obtenção em processossicos de capacidade intelectual.
A FG-MPR é composta por sessenta puzzles diagramáticos divididos em cinco séries (A,
B, C, D e E). A série A e série B, cada uma contém doze puzzles em formato 2 x 2 ele-
mentos, enquanto as séries C, D e E contêm doze puzzles em formato 3 x 3 elementos. A
série A consiste simplesmente em preencher a parte em falta de uma matriz. As restan-
tes séries requerem um raciocínio mais abstrato. Em cada caso, uma “célula” da matriz
total (sempre no canto inferior direito) es ausente. Os participantes devem examinar a
matriz e indicar quais das várias alternativas, de um conjunto de seis respostas possíveis
para as matrizes em formato 2 x 2 elementos e um conjunto de oito respostas possíveis
para as matrizes em formato 3 x 3 elementos, mais logicamente preenche a célula vazia
(Raven, 1941, citado por Garcia, 2016). Os itens estão organizados em ciclos/séries de difi-
culdade gradual: cada série começa com itens fáceis e progressivamente vai avançando
para itens mais difíceis. Cada série é iniciada com problemas considerados mais fáceis,
de forma a manter a motivação do sujeito. A versão utilizada neste estudo foi a espanhola
(Raven et al., 2001).
A cotação é feita pelo somatório das respostas (1 ponto por cada resposta correta e 0 por
cada resposta incorreta ou em branco), convertendo o resultado total no percentil corres-
pondente. Atendendo ao valor do percentil em que o sujeito se encontra é possível classi-
ficar o seu Grau Intelectual da seguinte forma: Grau I – Capacidade intelectual superior
(i.e., percentil igual ou superior a 95), Grau II – Capacidade intelectual claramente acima
da média (i.e., percentil entre 75 e 94), Grau III – Capacidade intelectual média (i.e., per-
centil entre 26 e 74), Grau IV – Capacidade intelectual claramente abaixo da média (i.e.,
percentil entre 6 e 25) e Grau V – Défice intelectual (i.e., percentil igual ou inferior a 5).
Os estudos psicométricos efetuados por Garcia (2016) numa amostra portuguesa, mos-
tram que o valor de alpha de Cronbach deste instrumento é de .94, valor considerado
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bastante satisfatório, pelo que podemos considerar que a FG-MPR apresenta uma consis-
ncia interna alta (Murphy & Davidshofer, 2004, citado por Garcia, 2016).
Procedimento
Para a prossecução deste estudo foi elaborado um documento onde se elencaram os objeti-
vos da investigação em causa, bem como o conjunto de procedimentos e o tipo de amostra que
iriam ser necesrios para a conclusão do mesmo. Posteriormente este documento foi enviado,
via e-mail, para a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais que remeteu a autorização,
em forma de ofício, para as investigadoras.
A amostra foi definida, após autorização, através de um levantamento no EP do Porto de
todos os reclusos a cumprirem medida privativa da liberdade por crimes relacionados com abuso
sexual e violação, de forma a assegurar a representatividade da amostra, relativamente ao uni-
verso considerado.
Depois de constituída a amostra, solicitou-se a colaboração voluntária destes sujeitos e, numa
sala, dividiram-se em grupos de 7 elementos (por sessão), com explicação sobre a natureza do
estudo, o tipo de tratamento dos dados e a indicação expressa de garantia de confidencialidade
através do preenchimento de um consentimento informado, em formato de papel. O preenchi-
mento do consentimento informado, do questionário e do instrumento de avaliação foram sem-
pre realizados na presença de uma das investigadoras.
Na primeira parte da sessão, procedeu-se à administração do questionário construído espe-
cificamente para este estudo com o objetivo de recolher dados sociodemográficos. Num segundo
momento, aplicou-se o instrumento de avaliação da inteligência geral da FG-MPR.
Em todos os casos, sublinhou-se o carácter confidencial da informação a recolher, bem como
o facto da análise dos dados e a sua divulgação, não envolver qualquer tipo de identificação do
respondente.
A avaliação foi administrada no EP do Porto, em sala própria e em datas e horários articu-
lados com este Estabelecimento, mediante a disponibilidade dos reclusos, sem interferir com o
normal funcionamento da referida instituição.
Para o tratamento estatístico dos dados recorreu-se ao Programa SPSS (Statistical Package for
the Social Sciences), versão 25.0 para Windows.
Resultados
O trabalho empírico que irá ser apresentado destina-se a analisar a inteligência geral de indi-
víduos a cumprirem medida privativa de liberdade no Estabelecimento Prisional do Porto por
crimes de abuso sexual e violação. Os resultados dados pela análise das respostas à Forma Geral
das Matrizes Progressivas de Raven (FG-MPR) encontram-se na Tabela 2.
Pela análise dos resultados verificou-se que a média da pontuação bruta obtida nas respostas
à FG-MPR foi de 30.9 (DP = 13.74), inserindo-se no percentil 5, o que corresponde ao Grau Intelec-
tual de nível V, com a designação “Défice intelectual.
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TABELA2
Médias das Séries da Forma Geral das Matrizes Progressivas de Raven (FG-MPR)
M DP
Série A 9.22 3.47
Série B 7.44 3.61
Série C 5.62 3.10
Série D 6.02 3.29
Série E 2.60 2.26
Total 30.90 13.74
Discussão
Este estudo procurou aprofundar uma das características neuropsicológicas associadas aos
indivíduos que cometeram crimes de abuso sexual e violação. Especificamente foi analisada a
inteligência geral (QI) numa amostra constituída por 50 adultos do sexo masculino, condena-
dos, a cumprirem medida privativa da liberdade (prisão efetiva) no Estabelecimento Prisional
do Porto. No presente estudo pudemos constatar que os resultados indicam que os indivíduos
condenados pelos crimes de abuso sexual e violação, em termos de QI, posicionam-se no percen-
til 5. Segundo Raven et al. (2001), os resultados que se inserem no percentil 5 enquadram-se no
Grau Intelectual de nível V, que corresponde à designação de “défice intelectual” e a um QI de,
aproximadamente, 75.
Os resultados são concordantes com os de outras investigações (Herrero et al., 2019; Cantor et
al., 2005) uma vez que também estes constataram que os abusadores sexuais, a cumprirem pena
de prisão, podem constituir um grupo específico de sujeitos, caracterizados por um desempe-
nho intelectual limitado (Ruff et al., 1976). Corroboramos ainda o estudo empírico de Guay et al.
(2005) que sugere que os indivíduos que cometeram crimes de abuso sexual diferem dos outros
criminosos em termos de QI. As diferenças entre este tipo de agressores sexuais e os outros cri-
minosos são particularmente significativas nas pontuações obtidas nas escalas de inteligência
utilizadas. Quando comparados, os agressores sexuais mostraram resultados significativamente
mais baixos nas escalas de desempenho. Já os resultados dos criminosos não sexuais tendem
a revelar um défice mental, com melhor desempenho na escala não verbal do que na verbal,
enquanto que os ofensores sexuais tendem a ter desempenho inferior em todas as escalas. Estes
resultados sustentam a nossa hipótese inicial de que os indivíduos comprometidos com o sis-
tema prisional por crimes de abuso sexual e violação possuem um funcionamento intelectual
deficitário. Na mesma linha, Cantor et al. (2005) confirmam, em primeiro lugar, que os homens
adultos que cometem crimes de abuso sexual têm pontuação inferior, em termos de QI, do que os
homens adultos que cometem crimes não sexuais. Este estudo vai mais longe confirmando que,
para homens adultos, as diferenças de QI variam entre os subtipos de agressores sexuais con-
soante a idade da vítima - quanto mais jovem a vítima de abuso sexual, menor o QI do agressor
sexual. Estas conclusões podem oferecer diferentes perspetivas a estudos que, tal como o nosso,
não distinguiram a heterogeneidade de indivíduos dentro de cada amostra. Ou seja, os agresso-
res sexuais que atentaram contra adultos e os agressores sexuais que atentaram contra criaas,
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constituem subtipos distintos de agressores sexuais. Desta forma, as amostras que não distingui-
ram esta categorização, consoante a idade da vítima, facilmente se tornam confundidoras. Tal
pode implicar a diminuição do QI médio de agressores sexuais no geral.
Um outro dado comparativo interessente, para além dos estudos que constatam o funcio-
namento intelectual dos indivíduos a cumprirem medida privativa de liberdade, diz respeito à
comparação do QI destes indivíduos, com o da população em geral. De acordo com um estudo
conduzido, em Portugal, por Garcia (2016), numa amostra com 697 pessoas, verificou-se que a
média da pontuação bruta obtida na FG-MPR foi de 44.47 (DP = 10.78), o que corresponde ao grau
intelectual de nível III com a designação “Capacidade intelectual média.” Segundo estes dados, a
amostra do nosso estudo, apresenta um QI inferior, quando comparado aos estudos supracitados,
realizados com a população portuguesa.
Esta conclusão encontra suporte integral noutros estudos (Bonta et al., 1996; Guay et al., 2005)
quando nos seus trabalhos concluem que o funcionamento intelectual dos indivíduos a cum-
prirem pena de prisão por crimes relacionados com abuso sexual é muito inferior aos valores
médios da inteligência encontrados junto da população geral.
Uma explicação que pode oferecer sustentação a estes dados é a de que as diferenças de QI
são, de facto, genuínas e refletem uma deficiência subjacente nas funções cerebrais. Autores que
defendem esta afirmação (Galski et al., 2001) afirmam que o funcionamento intelectual deficitá-
rio reflete-se numa tomada de decisão desinibida ou uma falha em compreender as consequên-
cias, resultando por vezes num comportamento sexual ofensivo.
Nesta linha de pensamento surgem alguns estudos que relacionam este défice intelectual
com a presença de determinadas anomalias cerebrais como fatores que podem contribuir para
o abuso sexual (Cantor et al., 2005). Algumas teorias associam o abuso sexual a disfunções no
rtex pré-frontal e à desinibição comportamental (Dolan et al., 2002; Stone & Thompson, 2001).
Outras teorias implicam as regiões temporolímbicas na desinibição comportamental (Graber et
al., 1982) e as estruturas profundas do lobo temporal na regulação do comportamento sexual
(Hucker et al., 1986). Por último, alguns estudos afirmam que os agressores sexuais apresentam
disfunções nas regiões temporais que podem causar perturbação dos impulsos sexuais e mudan-
ças na região frontal proporcionando desinibição comportamental (Cohen et al., 2002).
Apesar do funcionamento intelectual reduzido ser um indicador predominante nos sujeitos
que praticaram crimes de abuso sexual, não se pode afirmar este facto como causa para uma
relação direta entre um QI reduzido e comportamentos de abuso sexual, mas poderá ser um
ponto de partida relevante no estudo destes comportamentos, assim como para o desenvolvi-
mento de programas de intervenção que tenham em consideração estes fatores.
De facto, um programa de intervenção eficaz requer uma abordagem adaptada às caracte-
rísticas do agressor sexual, bem como à complexidade do problema (Carvalho, 2008). Seguindo
esta linha de pensamento, as abordagens de tratamento psicológico para agressores sexuais com
défices intelectuais parecem estar, atualmente, mais distanciadas das abordagens psicanalíti-
cas e comportamentais, dando lugar a tratamentos com base cognitivo-comportamental (Brown,
2010), cuja taxa de eficácia tem-se revelado elevada. Estes programas visam reduzir o risco de
reincincia sexual, alterando as cognições e atitudes do agressor (Beck, 1995). Isto é feito dire-
tamente ao abordar o comportamento ofensivo ou tratando uma perturbação mental subjacente,
para reduzir a probabilidade de reincidência subsequente (Gordon & Grubin, 2004).
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Num estudo levado a cabo por Jones e Chaplin (2017) a terapia cognitivo-comportamental,
para ofensores sexuais com défice intelectual, parece demonstrar resultados promissores em ter-
mos de melhorias nas atitudes relacionadas com o crime/excitação sexual, conhecimento sexual
e empatia pela vítima.
Em Portugal são escassos os tratamentos que visam abordar esta problemática. Um dos pou-
cos exemplos é o Programa de Intervenção Dirigido a Agressores Sexuais, implementado desde
2009 em três estabelecimentos prisionais, segundo a Direção-Geral de Reinserção e Serviços
Prisionais (Fernandes, 2014). O programa centra-se no modelo cognitivo-comportamental e tem
como objetivo a prevenção da reincidência e, consequentemente, minimizar o impacto negativo
que esta tipologia de crimes reflete na vítima. Trata-se de um programa facultativo, o que pode
explicar a escassa adesão ao mesmo, segundo Fernandes (2014).
Contudo, à exceção do programa descrito anteriormente, a maioria dos programas de inter-
venção direcionados para agressores, não têm em consideração a especificidade dos crimes de
abuso sexual, optando por abordagens mais generalistas. No entanto, em vários países aplicam-
-se diferentes tipos de programas de intervenção com esta população espefica.
Na Finndia, o programa SOTP - Sex Offender Treatment Programme, está implementado
desde 1999 e é constituído por um conjunto de 85 sessões durante 9 meses, direcionado para
agressores sexuais considerados de médio e alto risco. Fundamenta-se na teoria cognitivo-com-
portamental e no programa Core. O SOTP é, também, um dos programas utilizados no Reino
Unido e procura focar-se nos pensamentos, emoções e comportamentos dos agressores sexuais,
ou seja, nos mecanismos utilizados na tomada de decisão, na autoestima, na autoafirmação e nas
competências cognitivas (Sanderson, 2005). O principal objetivo deste programa de intervenção
passa por capacitar os ofensores sexuais com competências e ferramentas de autocontrolo, de
forma a evitar a reincidência.
Em relação aos Estados Unidos, quando se fala no tratamento de agressores sexuais, a área
de maior intervenção é o tratamento oferecido nos estabelecimentos prisionais. A maioria dos
estados oferece tratamento em pelo menos um estabelecimento prisional, com base no nível de
risco apresentado (West et al., 2000).
Um outro programa de tratamento para o controlo da agressão sexual (CAS-R - Programa
de Tratamento para el Control de la Agressión Sexual) foi criado por Rossoni e Fuentes (2013).
Este programa foca-se nas componentes cognitivo-comportamentais, pautando-se por uma
metodologia de intervenção socioeducativa com avaliação de risco que permite determinar a
intensidade e o foco da intervenção (Rossoni & Fuentes, 2013). Este programa tem como objetivo
o desenvolvimento da autoestima e competências sociais, de forma a evitar a reincidência. A
intervenção assenta na perceção que o agressor sexual tem acerca do seu problema. Para além
disto, trabalha-se a identificação de pensamentos, emoções e interações que o agressor vivenciou
antes, durante e após o cometimento do crime (Rossoni & Fuentes, 2013). O programa CAS-R é
destinado a jovens do sexo masculino e feminino entre os 14 e 18 anos acusados de crimes de
abuso sexual (Rossoni & Fuentes, 2013).
A maioria destes programas foi sujeito a modificações para lidar com o défice intelectual
destes indivíduos, incluindo as dificuldades em compreender conceitos abstratos e problemas
com a meria de trabalho (Sturmey, 2004).
Apesar dos resultados positivos demonstrados pela maioria das intervenções, na maioria
dos estudos sobre a eficácia dos programas de tratamento, a falta de um grupo de controlo torna
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particularmente desafiador concluir se essas melhorias são devidas ao tratamento ou se teriam
ocorrido de qualquer maneira na ausência de tratamento (Jones & Chaplin, 2017).
No entanto, apesar da imprecisão da eficácia, um facto que parece unânime é o de que, os
programas de tratamento devem ser escolhidos com base nas características individuais dos
agressores sexuais, uma vez que nem todos aqueles que se envolvem em crimes de abuso sexual
beneficiam de tratamento espefico (Olver & Wong, 2013).
Letourneau et al. (2004) acrescentam ainda que, os jovens que recebem tratamento adequado
quando cometem crimes de abuso sexual, tendem a não reincidir na idade adulta. Estes dados
permitem perceber, de forma clara, a urgência em intervir junto desta população, direcionando
o tratamento para a educação e capacitação destes jovens de forma a orientarem corretamente
os seus comportamentos sexuais, promovendo a autoconsciência sobre a proibição do uso de
violência e a importância do consentimento (Illescas et al., 2012).
A falta de informação e conhecimento profundo acerca dos ofensores sexuais e suas carac-
terísticas parece ser a maior fragilidade quando se aborda o sucesso dos programas de interven-
ção. Torna-se, portanto, fundamental conhecer melhor a tipologia dos agressores sexuais, o seu
comportamento, o tipo de vítima, a motivação e o risco de reincidência, para se poder implemen-
tar uma avaliação e intervenção especializadas, que reduzam o risco de repetição do crime.
Alguns estudos realizados procuraram estabelecer tipologias, atendendo à caracterização
dos ofensores sexuais. Amir (1971; citado por Vieira, 2010), caracterizou os violadores como
sendo indivíduos de idade mais nova, de raça negra, solteiros e de baixo nível socioeconómico.
Por outro lado, Abel e Rouleau (1990; citado por Blackburn, 1998) defendem que os ofensores
sexuais são semelhantes, na generalidade, à globalidade da populão.
Outros estudos demonstraram que os violadores apresentam elevadas níveis de hostilidade,
irritabilidade, impulsividade, julgamento social deficirio e conflitos com as autoridades (Bla-
ckburn, 1998).
O que se tem verificado também, em diferentes estudos, é que na maioria das vezes as ofen-
sas sexuais iniciam-se no período da adolescência (Vieira, 2010).
A preferência sexual por crianças ocorre mais em homens, havendo também ofensores que
preferem os dois sexos. Muitos abusadores sexuais de menores acreditam que a criança não é
capaz de verbalizar o desejo em manter relações sexuais com o adulto e, como tal, não percecio-
nam o seu comportamento como atípico. Estes indivíduos encaram as relações com as crianças
como menos ameaçadoras do que as com os adultos, tratando-se de uma relação de poder e con-
trolo face ao menor. Alguns autores classificam a atuação dos pedófilos como um ato narcisista,
refletindo o envolvimento que gostariam de ter tido na infância. Salientam-se como caracterís-
ticas deste grupo de indivíduos, a imaturidade, baixa autoestima, introversão, sensibilidade e
pouco sentido de humor (Vieira, 2010).
Alguns estudos demonstram que as lacunas apresentadas nos comportamentos de intimi-
dade na idade adulta são o reflexo de problemas de vinculação na infância, repercutindo-se ao
nível da experiência emocional (Hojat & Crandall, 1989; citado por Vieira, 2010). Por sua vez, este
relacionamento íntimo disfuncional pode gerar diversos tipos de consequências que podem cul-
minar em atos de violência nas relações íntimas.
Seidman et al. (1994) clarificaram que os défices de competências no relacionamento inter-
pessoal dificultam a capacidade destes indivíduos estabelecerem relacionamentos adequados
e adaptados. Estes autores demonstraram que os défices de competências no relacionamento
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íntimo são distintos e característicos nos ofensores sexuais. Os violadores e os abusadores sexuais
de menores são os que apresentam maior défice nestas competências, quando comparados aos
restantes ofensores. Estes indivíduos apresentam, também, maior historial de violência na famí-
lia de origem.
Conclusão
O crime, tratando-se de um fenómeno social cuja complexidade tem vindo a aumentar ao
longo dos tempos, tornou-se alvo de constantes teorizações e investigações por parte de dife-
rentes áreas científicas, com o intuito de melhor compreender e explicar as suas características,
permitindo que as intervenções sejam cada vez mais eficazes e eficientes.
Neste âmago, têm sido muitas as evidências que sugerem que o funcionamento intelectual
está associado ao crime. Segundo os estudos apresentados, as condutas criminosas apresenta-
vam um fator comum relacionado com um funcionamento intelectual deficitário. Isto permitiu-
-nos questionar se este desempenho intelectual mais baixo se verificava num tipo específico de
crimes, nomeadamente aqueles que estão relacionados com abuso sexual e violação.
Foi com base nestas ideias que partiu esta investigação, com o objetivo de avaliar e analisar
uma das características neuropsicológicas, nomeadamente a inteligência geral (QI), dos indiví-
duos que cometeram crimes de violação e abuso sexual. Assim, quanto aos objetivos deste estudo
conseguimos apurar que estes indivíduos possuem um QI revelador de um desempenho intelec-
tual deficirio.
O presente estudo apresenta algumas limitações. Primeiro, a amostra utilizada contempla
um número reduzido de sujeitos, uma vez que se circunscreveu a um único Estabelecimento Pri-
sional. Futuramente, seria interessante realizar um estudo com objetivos semelhantes e aplicá-lo
em todos os Estabelecimentos Prisionais do país. Uma amostra mais ampla, isto é, que inclua
mais sujeitos comprometidos com o sistema prisional devido a este tipo de crime, poderá pro-
videnciar informação adicional à hipótese, inicialmente, testada. Em segundo lugar, ao ter em
consideração a amostra, na sua totalidade, como um grupo homoneo, sem recorrer a uma dis-
criminação de diferentes critérios (por exemplo, idade e sexo da vítima, relacionamento entre o
agressor sexual e a vítima) pode ter fornecido uma visão segmentada dos défices intelectuais dos
agressores sexuais. Estudos futuros poderão ter esta destrinça em consideração de forma a for-
necerem resultados mais detalhados. Em terceiro, a versão utilizada das Matrizes Progressivas
de Raven neste estudo foi a espanhola (Raven et al., 2001), sendo que a prova não está aferida à
população portuguesa. Seria pertinente comparar os resultados deste estudo com os de outras
provas que avaliem, igualmente, a inteligência geral.
Em conclusão, os agressores sexuais partilham limitações comuns ao nível da inteligência
geral. Este défice intelectual, por si só, evidentemente, não explica os comportamentos de abuso
sexual, mas constitui-se como um ponto de partida útil para a investigação e para a intervenção.
Além disso, estes resultados podem beneficiar a criação de programas de intervenção mais espe-
ficos e adaptados a esta população. Nesse sentido, julga-se pertinente a condução de estudos
futuros que avaliem mais profundamente estas características nos agressores sexuais.
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